ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO INTEGRADA

Paulo de Tarso Riccordi

Há muito tempo, quando iniciei no Jornalismo, assessor de imprensa não era considerado jornalista! Essa categoria profissional tinha terrível preconceito contra as assessorias associando-as à ocultação da verdade. Um repórter, diante de um assessor de imprensa, via ali um inimigo, contratado para “não deixar sair” e os chamava de “chapa-branca”. Igualmente quanto aos relações públicas, vistos como “azeitadores da imprensa” e organizadores de festas. E aos publicitários, como vendedores de ilusões. Ponto. Tudo era muito simples. Ou era-se repórter, com a nobre tarefa de salvar o mundo através da revelação dos fatos, ou era-se um miserável qualquer, sórdido, cujo papel era ocultar a verdade.

Com o tempo as coisas começaram a ser vistas com a complexidade que realmente têm. E a maioria de nós pode, com dignidade, trabalhar em assessorias.

Um grande fato está associado a essa mudança: a longa crise do mercado de trabalho dos jornalistas no Rio Grande do Sul, marcada pela revolução tecnológica, pela mudança nas estratégias de venda de jornais, e pela falência dos antigos proprietários da Companhia Jornalística Caldas Júnior e o conseqüente fechamento dos jornais Correio do Povo, Folha da Tarde e Folha da Manhã e a redução da necessidade de esforço de reportagem nos seus antigos concorrentes1. A conseqüência imediata foi o lançamento de mais de uma centena de qualificados profissionais no desemprego e sua subseqüente absorção pelas assessorias dos poderes executivo, legislativo e judiciário, partidos políticos, sindicatos e empresas privadas. Vários abriram seu próprio negócio de assessoria. Alguns criaram bem sucedidos jornais de bairro. E outros mantiveram-se profissionais free-lances.

Uma pesquisa nacional organizada pela Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) ainda nos anos 80, indicou que apenas 25% dos jornalistas trabalhavam exclusivamente nos meios de comunicação clássicos (jornais, revistas, rádios e televisões). Metade dos profissionais trabalhavam exclusivamente em outros lugares comunicacionais, como jornais de bairro e empresas próprias, mas a maioria já trabalhava em assessorias de imprensa, prioritariamente governamentais. E havia uma mancha de 25% que trabalhavam simultaneamente em veículos de comunicação e em assessorias. E o preconceito, então, reduziu-se, mas não foi de todo superado. Há alguns anos ouvi de um grupo de respeitados free-lances a afirmação de que se sentiam jornalistas de segunda categoria por não estarem em alguma redação clássica. (E o curioso é que os currículos das Faculdades de Jornalismo até hoje refletem esse sentimento de que as assessorias de comunicação social são trabalho de segunda categoria…).

CAMPOS DIFERENTES DA COMUNICAÇÃO

Isto é uma completa bobagem. Numa assessoria governamental estamos tão longe ou tão perto de um digno e excelente trabalho como do incompetente e reprovável trabalho de comunicadores sociais como se estivéssemos numa redação de jornalão.

O que é necessário destacar são as distinções entre essas duas atividades. É errado presumir que a comunicação social exercida nas redações dos veículos ou nas agências de publicidade seja a mesma coisa que a comunicação praticada em assessorias governamentais ou empresariais. Não é. São atividades diferentes do mesmo campo, ainda que muitas das técnicas e ferramentas utilizadas sejam as mesmas2. De um lado temos uma atividade profissional que está colocada, grosso modo, a serviço do mercado. De outro, também grosso modo, a que está colocada em função de uma política pública.

Qual é a diferença disso?

Comecemos pela distinção entre cidadãos e consumidores/clientes e entre bens públicos e bens mercantis/comerciais. Cidadãos e consumidores são conceitos diferentes. O cidadão transcende o consumidor. Em relação ao Estado e aos bens públicos (obras e serviços), cidadãos não são clientes, muito menos consumidores, mas sim detentores de direitos que o Estado tem o dever de prover universalmente (isso é uma política pública). A diferença central é que consumidores/clientes acessam bens colocados no mercado, à disposição da apropriação mercantil. Por vontade ou (im)possibilidade individual isso pode ou não vir a acontecer. Desses bens somente desfrutam aqueles que os buscam ou têm os requisitos mínimos para tal (no mais das vezes, econômicos). Portanto, clientes são apenas parte da população – a menor parte, aquela com capacidade de consumo.

Já os bens públicos não podem ser confundidos com produtos mercantis. Bens públicos são produzidos com recursos gerados pelo conjunto da sociedade e destinam-se ao desfrute universal. Devem estar não somente à disposição, mas ser assegurado que todos deles se beneficiem, indistintamente. Logo, os direitos dos cidadãos são mais amplos que os direitos dos clientes.

O espaço do cliente é o espaço mercantil, ao qual se acessa privadamente. O espaço do cidadão é o espaço público, o espaço dos direitos universais, ainda que usufruído por indivíduos e de forma desigual. A comunicação prestada por empresas opera no espaço mercantil. É um produto comercial a que se acessa economicamente. O leitor, o ouvinte, o telespectador são clientes, com direitos e acesso limitado ao que compraram. A informação, aqui, está por conta do mercado. Compra quem pode e o quê pode. Quando fala-se em “público” dos meios de comunicação comerciais fala-se de uma pessoa que toma a iniciativa de buscar um conhecimento – e pagar por isso3.

Já a comunicação pública dirige-se ao cidadão, detentor de amplos direitos a tudo o que possibilita e favorece o alcance do conhecimento. Como exporei mais adiante, esse não é um papel necessário dos MCM, mas sim da comunicação pública e, por decorrência, da comunicação governamental e de suas assessorias.

“NOSSO PROBLEMA É A COMUNICAÇÃO”

Isso posto, voltemos ao estrito tema das Assessorias de Comunicação:

O fato de que a maioria dos profissionais de jornalismo e de relações públicas desempenharem suas funções profissionais em assessorias de comunicação pública ou privada não significa, porém, relações de trabalho pacíficas. Ao contrário. Em geral é tensa a relação assessores-assessorados. Injustamente, a Assessoria de Comunicação lidera a lista das queixas em praticamente todas as administrações municipais.

Há duas décadas tenho ouvido de assessores de comunicação as mesmíssimas queixas – e tanto faz se são assessores de governos, de sindicatos ou de empresas privadas:

  • “Não nos informam o que está acontecendo. Muitas vezes ficamos sabendo de coisas daqui através dos jornais”.
  • “Só nos demandam na última hora. É tudo ‘pra ontem’.”
  • “Os empregadores não precisam de assessores, precisam é de secretárias que copiem o ditado de seu próprio texto”.
  • “Não nos consultam. Quem decide tudo sobre Comunicação é um diretor (ou o prefeito) e a agência de publicidade”.

E por que isso tem sido assim?

  • Porque a Comunicação é importante demais para as estratégias administrativas e políticas das instituições e seus dirigentes querem reter para si as decisões. No fundo, não confiam nos comunicadores sociais;
  • porque “todo mundo acha que entende de Comunicação” e, como detêm – e retêm – mais informação sobre a instituição do que seus assessores, acreditam que fazem comunicação melhor do que estes;
  • porque a Assessoria de Comunicação não participa da tomada de decisões, pelos atuais modelos de gestão, mas também por falta de iniciativa própria e de capacitação;
  • porque a AssCom não formula políticas próprias, como as demais áreas. De modo geral, são os secretários de Saúde, de Assistência Social, de Educação, etc. quem formula as políticas e as metas de suas áreas e as propõem aos prefeitos. A estratégia é construída pelos profissionais/especialistas da área. O mesmo acontece nas empresas privadas. São eles que fazem o planejamento anual e propõem orçamento para isso. Mas isso não costuma acontecer nas áreas de Comunicação;
  • porque não há planejamento de Comunicação;
  • porque tudo é comunicação mas os profissionais de comunicação só querem tratar de notícia, de releases, site e jornal;
  • porque não há capacitação para gestão em Comunicação e fomos educados somente para sermos empregados e sermos demandados4.

Mas do outro lado também as queixas são enormes.

Em todas as Prefeituras às quais prestei consultoria ouvi dos principais gestores que “nosso problema é a comunicação”. Não são poucos os gestores que lamentam estar realizando muito em suas Administrações, mas não conseguem que a sociedade o perceba. E terminam por culpar sua assessoria (a Geni de todos os Governos…) por não conseguir furar o bloqueio dos meios de comunicação ou por não obter deles o tratamento que julgam adequado. Essa queixa presume que o “problema de comunicação” se deva a incompetência ou a pouca produção de informação e anúncios. Em muitas Administrações cada Secretaria chega a ter sua própria Assessoria de Imprensa para divulgar suas ações e responder as críticas dos meios de comunicação e da oposição. E passam a enviar quilos de papel diariamente, a responder a toda e qualquer pauta. Mas o que se vê é que, apesar disso, a imagem do Governo não melhora, apesar de muito trabalhar.

Qual é, então, o problema?

A meu ver, o problema não é, em absoluto, pouca produção de releases ou quantidade de pautas propostas aos MCM5. O problema está no modelo de comunicação utilizado até agora – o mais clássico e conservador que há – e não no volume de informes.

Identifico aí dois problemas. Um: falta às administrações públicas uma clara definição sobre o papel que a Comunicação deve cumprir na gestão pública; dois: não estão claras para as Administrações outras alternativas de comunicação que não somente através dos meios de comunicação comerciais.

O efeito principal é que as Administrações, em grande parte, têm sido reféns das pautas impostas pelos meios de comunicação, sob suas regras, interesses, senso de oportunidade e controle do espaço por eles concedido, passando até mesmo a estruturar suas assessorias em função disso. De fato, na maioria dos casos o que se tem são Assessorias de Imprensa clássicas, quase que reduzidas à comunicação mediatizada6, à produção de informes aos MCM (a ditadura dos pouco eficientes releases), para divulgar suas ações e responder as críticas, ao invés de Secretarias de Comunicação Integrada, com políticas e ferramentas próprias, a fazer a efetiva gestão da comunicação e da imagem da Administração.

E mesmo nessa visão há problemas: como fomos educados para acreditar que “jornalismo significa notícia”, essas assessorias produzem, quase que exclusivamente, para os espaços noticiosos dos veículos de comunicação – ficando submersos na “guerra da comunicação”, a da disputa de versões -, abrindo mão da programação não jornalística, que é, de fato, a que detém maior audiência7 e a que mais necessita dos bens e serviços públicos.

Os resultados desse paradigma têm sido danosos. Também aqui, como na Europa, essa indefinição possibilitou que os grandes meios de comunicação se construíssem como pauteiros dos governos8 e intermediários “necessários” entre o Estado e a sociedade, num processo chamado pelos franceses de mediatização da política.

Minha atividade profissional mostrou-me – e convenceu-me – de que os tradicionais processos adotados pelas Assessorias de Comunicação são insuficientes para dar conta da maioria das demandas dos cidadãos por conhecimento.

CINCO TESES

A partir de agora deixarei de falar de “assessores” como sinônimo de jornalistas e de “assessorias” como sinônimo de assessorias de imprensa. Desejo propor-lhes a mudanças dessa cultura e dos paradigmas por ela produzidos.

Passarei a falar em Assessorias de Comunicação Integrada e a dirigir-me, sem distinções de papéis, a jornalistas, a relações públicas, a publicitários(as) e a profissionais de marketing.

Ainda que pareça pretensioso, permitam-me propor-lhes um conjunto de “teses” sobre a comunicação governamental:

1) O BEM PÚBLICO É O CONHECIMENTO, NÃO A INFORMAÇÃO. SABER NÃO SIGNIFICA NECESSARIAMENTE COMPREENDER.

As informações, em si, nem sempre nos possibilitam obter conclusões sobre os fatos. Dito de outro modo, a mera informação não assegura, necessariamente, a compreensão sobre os porquês dos acontecimentos.

É necessário mais, para que alcancemos o conhecimento: é preciso que aquele estoque de informações seja articulado em uma cadeia de nexo, indicando as relações de causa e efeito que dão sentido àqueles dados, que possibilite a compreensão do que percebemos, do que sabemos mas não necessariamente entendemos.

(Mas, atenção: não é isso que se exige do jornalismo diário, até porque o dado é essencial para a percepção e compreensão. Seu papel primordial é justamente noticiar, informar, publicizar dados e fatos. Se nada mais for possível, que se divulgue somente a informação – mais tarde, e talvez, outros que a interpretem).

Coisa diferente são os processos comunicacionais necessários para promover a democratização do conhecimento.

É função da política pública de comunicação garantir aos cidadãos, mais que o acesso à informação, a democratização do conhecimento. A mudança da realidade se dá por um processo de articular e de conferir significado a fatos e fenômenos, permitindo a cada pessoa a ampliação de sua compreensão e percepção. Nem sempre o cidadão compreende o alcance e o significado da política, do serviço ou da obra que ele está utilizando. A pura informação nem sempre é suficiente para possibilitar esta compreensão mais completa.
Para isto é necessário assegurar o acesso à informação, ao conhecimento e à compreensão dos fatos e fenômenos da vida. O objetivo da política pública de comunicação é o de democratizar o entendimento sobre os fatos e fenômenos sociais, seus mecanismos, sobre a própria vida que se vive, possibilitando que o conhecimento e a compreensão sejam acessíveis a todos, não apenas como uma potencialidade mas como realidade, capaz de lhe embasar ações livres e independentes. E ainda (tarefa clássica das assessorias de comunicação institucionais) assegurar que os cidadãos tenham acesso a toda a informação necessária à sua relação com o Estado e os bens e serviços públicos.

Isso implica num modo diverso de manejar as técnicas e as ferramentas da comunicação. Por exemplo, não faltam informações sobre os métodos anticoncepcionais. Entretanto, a gravidez na adolescência cresce exponencialmente. O desafio central para a comunicação pública não é apenas prestar informação, mas promover mudanças culturais e de atitudes, utilizando-se de processos comunicacionais pedagógicos. E, certamente, esta é uma área de baixa circulação da comunicação comercial e do noticiário (ainda que isso seja muito importante e indispensável). Esta é a área, por excelência, da comunicação pública.

2) OS MCM SÃO INSUFICIENTES PARA AS NECESSIDADES DE CONHECIMENTO DOS CIDADÃOS

Governos não apenas informam o que fazem: Governos educam, mudam atitudes, mudam cultura. E isso se faz através de outros processos – comunicacionais-pedagógicos – não contidos nos meios de comunicação tradicionais.

Por exemplo, um dois dramas sociais é a violência contra a criança. Se formos ao pronto socorro de qualquer cidade encontraremos neste momento crianças vítimas de várias formas de violência física. E se perguntarem pelos autores, descobrirão que o maiores espancadores são, pela ordem, as mães, depois os pais, depois o casal em conjunto. Isso começa com a chinelada e avança, numa espiral doentia, ao tapa, socos, queimaduras – ferimento, tortura e morte no lar! E é surpreendente que isso é entendido como assunto da esfera privada!

Como se acaba com isso, se a maioria das pessoas entende que é direito, senão dever, dos pais “corrigir” os filhos? Como se acaba a violência contra as mulheres, como se controla as doenças sexualmente transmissíveis e a Aids, ou se impedem as queimadas, ou se reduz a gravidez na adolescência? Certamente que sobre estes assuntos não faltam informações. São temas presentes no noticiário, há campanhas freqüentes na mídia. Qual é o problema, então? Para mim, a resposta é que não se obtém mudanças de atitudes – e é disso que se trata – sem que isso seja precedido de mudanças culturais. E para isso, vimos, informação não é suficiente. Saber não implica, necessariamente, entendimento.

E o quê a comunicação governamental tem a ver com isso? Tudo, porque esses não são, ao contrário do que aparentam, problemas apenas privados; são assuntos que afetam, profundamente, a sociedade, com repercussões na esfera pública (por exemplo, o impacto da gravidez de adolescentes no sistema público de saúde, no mercado de trabalho e em seus níveis salariais, nas perdas de cérebros com o abandono da escola, etc., etc., etc.). Logo, é dever do Estado desenvolver políticas públicas que promovam mudanças culturais que acabem com a violência contra as mulheres, que controlem as doenças sexualmente transmissíveis e a Aids, que terminem com as queimadas, que reduzam a gravidez na adolescência. E isso é feito à custa de processos comunicacionais pedagógicos. Quem faz comunicação nos governos? Suas assessorias de comunicação. Nós!
Portanto, se exige muito mais de uma política de comunicação das administrações públicas do que meramente informar aos meios de comunicação as atividades diárias do governo e publicar seus anúncios. Essa concepção obriga as Administrações a desenvolver uma efetiva política de comunicação pública, superando as reduzidas Assessorias de Imprensa e seus releases,

  • desenvolvendo outro paradigma;
  • outra estrutura;
  • outros processos de trabalho.

Há a necessidade de um processo de comunicação integrada que articule, permanentemente, cada ação pública ao projeto e à concepção de mundo que a inspira e determina, que supere a fragmentação das informações, contextualizando-as e dando-lhes significado, explicitando a grande política que aquela ação integra. Assim, a comunicação social governamental assume outras funções, além da clássica assessoria de imprensa e cerimonial.

Mas não nos basta mudar a concepção, montar assessorias com áreas de jornalismo, RP, PP/Marketing, comunicação comunitária, se mantivermos cada especialidade em seu canto próprio, sem uma verdadeira integração.

3) É NECESSÁRIO TIRAR A COMUNICAÇÃO DA PORTA DE SAÍDA DAS INSTITUIÇÕES E LEVÁ-LA PARA O MOMENTO E O LOCUS EM QUE AS AÇÕES SÃO PENSADAS

A relação do Governo como um todo e de suas Secretarias com a Comunicação necessita mudar. A Comunicação deve ser tirada da porta de saída do Governo e trazida para o início do processo de planejamento. Da encomenda (quase sempre de véspera!) por releases e anúncios, deve-se passar para o planejamento estratégico das ações de comunicação – Comunicação Integrada – correspondentes aos programas, projetos e ações dos diversos setores da Administração. Assim, os profissionais de comunicação devem participar das reuniões-matrizes de todas as ações do Governo.

Isso nos permite, entre outras vantagens, montar o calendário unificado do Governo e planejar com grande antecedência as ações comunicacionais correspondentes, o que nos possibilita formular o planejamento anual de mídia e, com isso em mãos, negociar, de uma só vez, as inserções publicitárias da Administração para o ano todo.

4) POR ISSO E PARA ISSO É NECESSÁRIO INCORPORAR O PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO À COMUNICAÇÃO. ROMPER A PASSIVIDADE DO PAUTADO, DO DEMANDADO

  • A gestão pública é previsível e planejável. Os governos e as instituições sabem, antes de novembro, tudo o que farão no ano seguinte.
  • Numa fábrica e numa cidade tudo se repete.

Não há programa de uma administração pública que não tenha sido incluído no Orçamento – logo, estão todos planejados desde o ano anterior. Por que então a Comunicação (e não raras vezes o próprio chefe do Executivo) deve saber deles somente à véspera (quando não é informada diretamente pelos meios de comunicação!!)? O resultado é que, desse modo, a informação fica condenada à redução ao release e ao anúncio, o que é muito pouco para qualquer Governo.

Essas ações significativas das Secretarias devem ser planejadas também pela Comunicação, e não apenas pelos profissionais da área-fim, para que tenham visibilidade pública. Quantas e quantas vezes já nos aconteceu de uma obra da maior relevância social ser duramente criticada por um detalhe menor, gerando péssima imagem ao Governo, unicamente porque foi planejada exclusivamente em seus aspectos físicos/técnicos, sem qualquer preocupação em como ela será percebida pelos cidadãos?

Toda e qualquer ação e obra pública gera imagem, positiva ou negativa, que passa a compor a imagem do Governo. E isso não pode, em hipótese alguma, ser desconsiderado lá no início, no momento do planejamento da obra. Não é demais repetir: uma obra não se compõe somente de canos, concreto, asfalto, mas também de imagem. As pessoas formam opinião não somente sobre o conjunto da obra, mas sobre os detalhes que lhe afetam diretamente a vida. Uma obra de uma estação de tratamento de esgotos pode ser percebida pela população como política pública de saúde ou como pó e barro dentro das casas próximas. Depende de como isso será comunicado (não apenas informado) aos cidadãos. E já que canos não falam, que falem os comunicadores sociais!

5) ACABARAM AS FRONTEIRAS ENTRE NOSSAS ESPECIALIZAÇÕES. NÃO HÁ COMO DAR CONTA DESSAS DEMANDAS SENÃO SOB A CONCEPÇÃO E ESTRUTURA DE COMUNICAÇÃO INTEGRADA

Não há desafio governamental ou comunicacional que possa ser resolvido através de somente uma área de conhecimento.

A Prefeitura de Porto Alegre foi inovadora ao desenvolver a maior parte dos sistemas de gestão e de trabalho da Comunicação Integrada. E o elemento articulador disso (e que funcionou pedagogicamente para todos nós) foi a criação da Coordenadoria de Atendimento em Comunicação. Ali atuavam, efetivamente de modo integrado e indiferenciado, profissionais de relações públicas, jornalismo e propaganda.

A partir daquela experiência, disseminada por profissionais que dela participaram e hoje são assessores ou consultores em gestão pública, várias outras prefeituras no país a adotaram e desenvolveram, cada uma agregando modos próprios.

Mas a essência da Comunicação Integrada na administração pública que tenho vivenciado nos últimos sete anos se apoia nestes processos de trabalho:

  • Desenvolvimento do planejamento estratégico de Comunicação do Governo (participam os principais gestores da Administração9 e todos os profissionais da área de Comunicação, independente de sua localização na hierarquia)
  • Atendimento de Comunicação (multidisciplinar) – um profissional (não importa sua formação original) acompanha permanentemente as reuniões do grupo gestor10 de cada área da Administração para apropriar-se dos objetivos estratégicos e do planejamento de ações desde sua formulação inicial;
  • Socialização desse conhecimento na coordenação/Secretaria de Comunicação11, para que sejam agregadas as propostas, sugestões e experiência específica de cada formação profissional e formulado um plano de Comunicação para aquele determinado programa, projeto, atividade/obra ou serviço;
  • Desenvolvimento dos planos de ação para os principais projetos de cada área de Governo;
  • Essas ações serão, a partir disso e em seu tempo próprio executadas pelas diferentes especializações profissionais12.

FRAMEWORK DA COMUNICAÇÃO INTEGRADA

6) NÃO SE ADMINISTRA SEM COMUNICAÇÃO

Ao contrário do que desejam alguns, a Comunicação não governa. Entretanto, não se governa sem Comunicação. Dito de outra forma: Comunicação não faz política, mas não se faz política sem comunicação.

As pessoas votam desejando melhorias sociais. Mas as principais mudanças independem exclusivamente dos governos; são assuntos determinados pela própria configuração, história e estrutura dessa sociedade. Para que isso mude, são necessárias mudanças culturais, mudanças de atitudes – mudanças consensuadas -, o que somente é possível por um processo articulatório e significador dos fatos e fenômenos, possibilitando em cada pessoa a ampliação de sua compreensão e percepção (“a realidade é construída socialmente”13. A política, assim, é ação discursiva, pedagógica, logo, processo comunicacional, que não pode ser reduzido às demandas por “sair no jornal” ou conseguir espaço fugaz nas rádios e tevês. E isso implica, também, em uma mudança na concepção de modelos comunicacionais e mudança no modo de prestar assessoria de comunicação.

Notas

  1. A venda antecipada dos jornais através de assinaturas e a falta de concorrência (a busca pelo “furo”) entre os veículos tornou desnecessária a disputa pela melhor capa nas bancas. Isso e mais a circulação de informações através da Internet possibilitou às empresas reduzirem drasticamente as equipes de reportagem e seus custos.
  2. E isso reforça, ainda mais, a necessidade de uma revisão nos currículos dos cursos de Comunicação, para incluir não uma ou mais cadeiras de Assessoria de Imprensa, mas sim a formação inteira de Assessoria de Comunicação Integrada, incluindo, por exemplo, o planejamento de comunicação, que inclua as ações matriciais de RP, PP e Jornalismo.
  3. Mesmo que esse pagamento seja mediante seu tempo de exposição a ofertas de produtos em venda nos espaços comerciais, além da compra dos equipamentos, pagamento do custo da energia elétrica consumida.
  4. Diferentemente de um – por exemplo – estudante de Odontologia ou de Arquitetura, que já entram na Faculdade preparando-se para ser planejadores e administradores de seus próprios ofícios.
  5. Meios de Comunicação de Massas;
  6. Aquela realizada através dos meios de comunicação de massas.
  7. É impensável a quantidade de pautas de Saúde, Educação, Assistência Social, Desenvolvimento Econômico e Social, Cultura, Habitação, etc., que podemos produzir para programas como os de Hebe Camargo, Ana Maria Braga, os programas “populares” de rádio do final da madrugada/início da manhã, ou os programas para adolescentes. Aquelas, e outras, áreas governamentais produzem informações públicas essenciais para os públicos desses programas.
  8. Qualquer repórter acha-se com competência, direito e poder de dizer como o governante deve administrar.
  9. Prefeito e secretários, pelo menos, uma vez que nesse momento se está desenhando as estratégias, os principais planos de ação e o orçamento da gestão do setor provavelmente mais vital dessa Administração. A Comunicação não administra, mas não se administra sem comunicação.
  10. Geralmente, reuniões semanais de planejamento e acompanhamento da execução dos planos de ação, integradas pelo secretário e diretores de departamentos e pela Comunicação.
  11. É essa área da Administração (pública ou privada) que deve ser a responsável pelo gerenciamento de Comunicação e da imagem dessa instituição. É integrada pelo Secretário de Comunicação e coordenadores/diretores, ou os cargos equivalentes) das diferentes áreas – jornalismo, RP, PP/Marketing, Comunicação Comunitária, Administrativo/Jurídico, etc.
  12. As ações próprias de cada formação: o jornal próprio é desenvolvido pela Jornalismo e PP, os folders são desenvolvidos por RP e PP, etc. Mas logo se aprende que a maioria das ações de Comunicação em um governo, em uma empresa privada, uma ONG ou em um sindicato são necessariamente desenvolvidas interdisciplinarmente. E a vida também mostra que na maioria dessas assessoria trabalha um único profissional, que termina fazendo de tudo.
  13. BERGER, Peter L., LUCMANN, Thomas. A construção social da realidade. 15a. ed. Petrópolis, Vozes, 1985. p. 11.

Paulo de Tarso Riccordi é jornalista, consultor em gestão pública e em comunicação. Diretor de Tambor Comunicação & Marketing.

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